Altitude & Latitude: o anagrama que explica os terroirs argentinos

Terroirs da Argentina
Relevamiento vitivinícola zona Norte Wines of Argentina "Las nubes winery" vineyards at Cafayate, Salta.

Se você ler rapidamente, pode chegar a confundir essas duas palavras, pois elas são anagramas perfeitos: latitude e altitude têm as mesmas oito letras e, escritas com sutis diferenças, contêm, como o livro “O Aleph”, de Borges, todo o poder explicativo dos terroirs da Argentina.

Uma curiosidade nem sempre clara para os apreciadores de vinhos, mas que, comparada com outras regiões do mundo, revela o seu poder.

O exercício é simples e requer certa imaginação: se você colocar o mapa da Argentina sobre o da Europa e fizer coincidir os extremos de cultivo da vinha (por exemplo, o sul da Argentina com o da Espanha), o norte vitivinícola do país ficaria próximo do limite norte da Escócia, uma zona onde não há vinhedos porque é muito fria.

Superpondo o norte sobre o norte, devemos começar pela região de Mosela, na Alemanha, ou de Sussex, na Inglaterra. E o extremo sul fica no coração do Saara, onde as uvas também não são cultivadas, por ser uma zona de clima muito quente. 

Assim, testemunhamos um raro fenômeno. Observando o primeiro anagrama, o de latitude, os vinhedos e os terroirs da Argentina estão “fora da caixa” vitivinícola do mundo, seja pelo sul ou pelo norte, dependendo do ponto de comparação que se estabeleça. 

Aí um observador atento pode perguntar: o que há de diferente na Argentina em relação a outros países? A resposta está na cordilheira dos Andes e nos efeitos que ela produz, ou seja, no outro anagrama: o de altitude.

Terroirs de Argentina

Os terroirs da Argentina e o segredo de seu sucesso

Subir é descer

Para entender como essa equação funciona, é importante lembrar algumas coisas. Latitude se refere às linhas imaginárias que circundam a Terra, definidas a partir de um ângulo em relação ao centro do planeta.

Assim, existem latitudes de 0 e 90° com seus intervalos no meio, sendo o primeiro o Equador e o ângulo reto, o eixo da Terra representado pelos pólos. Conforme sobe a abertura do ângulo, a temperatura cai.

A altitude, no entanto, é medida a partir do nível do mar, sendo 0 metros de altitude o valor correspondente aos oceanos. E a partir daí conta-se: se o pico máximo for o Everest (8.849 metros acima do nível do mar), é possível continuar medindo as alturas com esta referência. Por isso, se diz que os aviões voam a uma altitude de 10.000 metros, por exemplo.

No caso da explicação do terroir, a chave é observar que altitude e latitude são inversas em relação à temperatura: quando a altura aumenta, a temperatura cai; e conforme a latitude aumenta, a temperatura desce; e vice-versa.

Isso explica porque no Equador faz tanto calor, enquanto nos pólos as temperaturas são tão geladas, da mesma forma que o topo do Everest seja tão frio quanto os pólos no inverno, apesar de estar localizado nos trópicos.

Desta relação inversa nasce a equação que explica o segredo dos terroirs da Argentina. Ou seja, ao descer em latitude, aproximando-se dos trópicos e, portanto, em direção a uma zona quente, sobe-se nas encostas dos Andes para equalizar as temperaturas ideais. E vice-versa, se for em direção ao sul.

Dessa forma, entre os anagramas de altitude e latitude existe uma equação compensatória: em termos teóricos, a cada 150 metros de subida linear em um ponto do globo, a temperatura cai 1 ° C; enquanto para cada 10 graus de latitude que se sobe a partir de Equador, cai outros 6.

Assim, mesmo em curtas distâncias, porém com diferenças nos níveis de altura, é possível conseguir terrenos climáticos diversos, os mesmos que servem na Europa para dar vida a todas as variedades possíveis de uvas.

Terroirs de Argentina

O anagrama completo dos terroirs da Argentina

É por isso que, na Argentina, as uvas podem ser cultivadas em áreas frias de altitude em uma latitude tão baixa quanto os trópicos, como é o caso de Humahuaca. Ou mesmo em Mendoza, onde a uma latitude de 33° é possível passar de áreas quentes a cerca de 500 metros acima do nível do mar, como La Paz, até regiões limites para cultivo, entre 1700 e 2000, dependendo da exposição, como Gualtallary e Uspallata. Ou, para terminar a sequência, cultivar em Chubut a 45,5° de latitude sul, mas a 270 metros acima do nível do mar.

Porém, não é só uma questão de temperatura. Acontece que, nesses movimentos de subida de altura, a atmosfera também muda de natureza, tornando-se mais leve.

A capacidade de filtrar os raios ultravioleta da luz solar diminui conforme se sobe em altura: na latitude de Mendoza, a cada 1000 metros de ascensão linear a radiação aumenta 12%. Nos trópicos, é ainda maior.

O mesmo acontece com a latitude. Mais perto do Equador, a radiação é maior, enquanto mais ao sul diminui devido ao duplo efeito da curvatura da Terra e do aumento da espessura da atmosfera, o que reduz sua intensidade.

E assim, compensando os dois extremos do anagrama, ou seja, altitude e latitude, os produtores da Argentina conseguem cultivar suas uvas em um território tão extenso quanto mutante, sempre ao longo da espinha dorsal dos Andes.

Os efeitos da temperatura somados aos da radiação solar e do solo derivados propriamente da cordilheira explicam a complexidade e o potencial do terroir sobre os vinhos  produzidos na Argentina.

Longe de ser uniforme, o mapa dos terroirs argentinos é composto por um mosaico de lugares onde alguns já são velhos conhecidos, enquanto outros começam a ser descobertos e explorados para a vitivinicultura.

Agora que você já desvendou o segredo por trás dos terroirs, que tal continuar lendo sobre as 9 uvas vermelhas mais plantadas na Argentina? Radiografia das uvas tintas mais plantadas na Argentina

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