Hoje vamos falar sobre a adega do Don Julio, o restaurante especializado em carne argentina e reconhecido no mundo todo pela sua excelência (foi eleito em 2020 o número um da América Latina e ocupa o 13.º lugar na lista dos 50 melhores do mundo, segundo o ranking do The World 50 Best Restaurant, entre outros).
A adega de Don Julio é única: não só reflete o imenso panorama atual da vitivinicultura argentina, mas também guarda vinhos emblemáticos e históricos que, com o maior cuidado, são mantidos para serem verdadeiras pérolas do futuro.
“Além da carne, o outro protagonista da cozinha argentina é o vinho. Essa dupla, carne e vinho, no Don Julio nós trabalhamos junto a outras variáveis importantes: estacionalidade, regiões, culturas, povos originários, imigração. Isso tudo compõe a cozinha argentina, mas carne e vinho, simplesmente, já são uma definição”, diz Pablo Rivero, dono e alma mater do Don Julio Parrilla.
Desde que abriram, há 23 anos, Pablo e sua família tiveram certeza sobre a importância de guardar vinhos. Ao longo do tempo, convocando as vinícolas fundadoras, buscando entre colecionadores e classificando tudo o que podiam (e, ao mesmo tempo, comprando para o futuro) foram armando uma coleção — das poucas em todo país onde qualquer pessoa pode ter acesso — que reúne o patrimônio cultural e a evolução do vinho argentino durante sua vasta trajetória.
Conhecer a adega de Don Julio é fundamental para poder viver a experiência completa. Razões não faltam: no seu enorme subsolo, perfeitamente organizadas, são guardadas cerca de 15 mil garrafas de todas as paisagens (que vão se renovando permanentemente e se alimentam de uma adega maior).
“Este é um projeto a longo prazo, estamos pensando daqui a 30 anos, no mínimo”, revela Pablo. “O nosso amor pelos vinhos coincidiu com o fato de o restaurante Don Julio estar localizado em um ponto particular da cidade. A poucas quadras ficavam (e alguns ainda estão), os escritórios de vinícolas muito importantes da Argentina: Esmeralda (que virou depois Catena Zapata); Giol, Bodegas López, entre outras. Muitos donos de vinícolas sempre tiveram o costume de comer no restaurante e, como para mim não existe churrasco sem vinho, desde o primeiro dia trabalhamos para isso”.
A adega de Don Julio: os tesouros a serem descobertos
Quais são os tesouros guardados a sete chaves? Pablo faz silêncio, é difícil escolher quais garrafas destacar.
“O vinho mais antigo que temos é o “Merced del Tiempo”, uma joia de 1923 que foi encontrado em um barril esquecido em Tupungato e que os enólogos Edy del Popolo e Gerardo Michelini engarrafaram. Também temos exemplares de várias décadas, especialmente datados entre os anos 50 e 90, vinhos que estavam em boas condições e que com o passar do tempo se transformaram em poções mágicas. São os que atestam a enorme possibilidade de evolução da nossa viticultura”, resume Pablo.
No passado as vinícolas não estavam seguras de mostrar esses vinhos anciões: “Tinham o complexo clássico por não serem de origem europeia, pensavam que talvez o público não fosse compreender esses vinhos. Há 8 anos pudemos vencer esse preconceito e levar muitos rótulos a diferentes eventos na América e na Europa. E a reação das pessoas foi incrível”.
Agora, as vinícolas também começam a mostrar seus vinhos guardados: “Perdemos o preconceito e derrubamos o mito eurocêntrico que nos marcou durante muitos anos, porque eles acreditavam ser os donos do tempo. Mas agora sabemos como os vinhos do Novo Mundo também evoluem”, defende Pablo.
Entre as maravilhas a que se refere Rivero, resgata: “tenho um Humberto Canale, um Semillón de 1987, um vinho emocionante, dos melhores vinhos brancos argentinos evoluídos que tomei na minha vida. Também tem outro Semillón de Norton, de 1956; um Semillón de Lagarde do ano 56; um Puente Viejo do ano 59 que deve ser o melhor vinho tinto que temos. É uma loucura, um 100% Cabernet Sauvignon, é a garrafa que eu gostaria de tomar hoje”.
Pensemos que, no mundo, os vinhos históricos não abundam: “não é uma prática tão natural guardar, é um ato excepcional e nós temos a sorte de poder fazer isso”.
A carta do ano
Cada comensal recebe o menu e a carta de vinhos (existe um cardápio de vinhos históricos, oferecido à parte). “Todos os anos, com a equipe de sommeliers (cujo chefe é o especialista Martín Bruno) provamos cerca de 3 mil exemplares às cegas. Assim escolhemos os vinhos que cada ano serão os protagonistas da carta do restaurante. São os que estão hoje no mercado e os que consideramos que configuram a melhor carta possível para nós”, conta Pablo.
Vinhos feitos especialmente para a Don Julio
Nos últimos anos, a íntima relação com o mundo do vinho gerou um novo espaço para a adega do Don Julio: os vinhos elaborados por profissionais da enologia a pedido de Pablo Rivero (como, por exemplo, o Torrontés Develo de @pancho_bugallo, entre outros).
“Sentimos a necessidade de expandir a fronteira do que era o vinho na Argentina e ir mais além. O primeiro que impulsionamos foram os vinhos de flor, quando não existiam no mercado. Logo vieram os vinhos laranjos, algum encabeçado, e também Pét Nat. São vinhos de famílias produtoras: nós só influímos, lhes pedimos e apoiamos para poder mostrar toda a magia e a energia que eles põem em tudo o que fazem, demonstrando a enorme vontade que existe em seguir investindo na diversidade da nossa vitivinicultura”.
Uma nova maneira de contar o vinho
Durante a pandemia, Rivero convocou Guillermo Corona, um geofísico também formado pelo Liceu Agrícola e Enológico de Mendoza, para a confecção da carta geoclimática da Argentina.
“É uma boa maneira de observar o território e é uma redefinição das zonas a partir das situações geográficas e climáticas. A Argentina oferece muita diversidade, temos a sorte de ter — em escala Winkler — vinhos de 1 a 4 e isso pode ocorrer entre dois vinhedos separados por nada mais que 30 km. No Don Julio trabalhamos duro para que o público comece a considerar Altamira, Gualtallary, Las Compuertas e deixe de pensar só em Malbec ou em Mendoza. Os lugares falam, as variedades transmitem essa mensagem, cada uma à sua maneira. Por isso, para mim, o importante são as paisagens. O vinho é a paisagem. Este trabalho impacta na organização da carta de vinhos do Don Julio”.
Uma excelente forma de apreciá-lo é viver a Experiência Texturas na adega: as e os comensais, guiados pela equipe de sommeliers do restaurante, poderá experimentar três texturas diferentes de vinhos através da percepção sensorial (cada vinho se apresenta em uma caixa que guarda a textura buscada: é surpresa, não vale dar spoiler, o melhor é ir e viver a experiência). “Esta proposta permite desfrutar cada terroir do ponto de vista sensorial. A impressão digital do vinho é a sua textura”.
Don Julio Parrilla. Guatemala 4691, Palermo, Buenos Aires.