Os heróis do Malbec

Os heróis do Malbec

A história do Malbec é, sem dúvida, uma das mais coloridas e pouco conhecidas do folclore do vinho. Ao longo dos anos, esta cepa enfrentou situações que bem poderiam render uma série da Netflix, inclusive com várias temporadas. Tudo começou na Idade Média, com direito a ducados, papados e uma extensa sucessão de acontecimentos dignos de uma história épica.

E, como em qualquer aventura, os heróis são os personagens principais, sendo que nesta história há vários deles. A seguir, destacamos alguns dos mais importantes.

Os “primeiros” promotores

O Malbec é oriundo de Cahors, domínio de Aquitânia, na França, onde no século XII Leonor de Aquitânia foi uma personalidade chave. Primeira heroína do Malbec, em 1152 ela se casou com Henrique II da Inglaterra, tendo sido coroada a rainha de um dos territórios mais extensos da Europa. Durante o seu poder, entre outras coisas, ela se dedicou a promover os vinhos do sudoeste da França, fazendo do Malbec o vinho favorito da nobreza em ambas margens do Canal da Mancha.

Anos mais tarde, apareceria outra figura curiosa nesta história, de quem não existem muitos registros oficiais, porém isso pouco importa, já que seu sobrenome é nada mais nada menos que Malbeck. Surpreendentemente, este senhor, ao parecer oriundo da Hungria, teria sido o botânico encarregado de comercializar as plantas em Bordeaux, onde se sabe que o Malbec fincou raízes durante alguns séculos.

Já no século XIX começaria o capítulo argentino desta novela. Para muitos, inclusive, é o mais conhecido. Nesta etapa foi chave a relação entre Domingo Faustino Sarmiento e Michel Pouget, responsáveis pela chegada do varietal em solos mendocinos em 1853. Além de promover o cultivo de variedades francesas, entre elas a Malbec, tiveram papel importante em destacá-la aos olhos dos produtores de vinhos da época.

Mais heróis com visão

Um século depois, e com uma indústria vitivinícola que batia recordes de produtividade a partir de variedades de alto rendimento, um punhado de especialistas considerou importante preservar as uvas Malbec para a elaboração de grandes vinhos. Entre eles, desde a década de 1970 destacou-se Dom Raúl de la Mota, célebre enólogo considerado por muitos o pai do Malbec argentino, por assumir o compromisso de convencer vários produtores a não substituí-la por outras cepas que garantiam maior volume.

O engenheiro Alberto Alcalde foi o outro herói. Importante ampelógrafo argentino, ele colaborou nos estudos do varietal para melhorar seus resultados. Também vale citar Ricardo Santos, proprietário da Norton na época, que realizou a primeira exportação de Malbec em 1974, abrindo assim o capítulo internacional para o Malbec argentino.

Os que mantiveram a chama acesa

A década de 1980 foi uma etapa complicada para o vinho argentino. No entanto, não faltaram ganas de proteger os vinhedos de Malbec. Naqueles anos, definiu-se a denominação de origem Luján de Cuyo, visando proteger a identidade dos vinhos mais tradicionais de Mendoza, entre os quais os Malbec se destacavam. Por trás desta gestão, se encontravam Alberto Arizu, Adriano Senetiner e Carlos Catania. Por sua vez, Arnaldo Etchart continuava a cultivar Malbec em seus vinhedos dos vales Calchaquíes, e Guillermo Barzi Canale replicava o esforço nos vinhedos patagônicos de Rio Negro.

Os que partiram para a internacionalização

Obcecados pela elaboração de vinhos de classe mundial, muitos proprietários argentinos de vinícolas apostaram durante anos nos tintos de Cabernet Sauvignon e Merlot. Inclusive, alguns chegaram a convocar renomados winemakers para executar esse plano. Foi assim que figuras internacionais importantes como Michel Rolland, Paul Hobbs, Alberto Antonini, Hans Vinding-Diers e Roberto Cipresso chegaram ao país. A história que todos eles compartilham é que, enquanto exploravam com as cepas mais conhecidas, descobriram um tinto que os cativava, mas que também os desconcertava. Logicamente, tratava-se do Malbec, que para eles era muito pouco conhecido. No entanto, todos apostaram no mesmo, e junto aos seus sobrenomes se transformaram em embaixadores de luxo do Malbec argentino.

Apaixonados pelo Malbec

Outro fenômeno por trás deste varietal é que serviu de imã para importantes investimentos na vitivinicultura argentina. Enquanto os donos de vinícolas locais apostavam nesses vinhos, reconhecidos empresários internacionais chegaram ao país com a missão de colaborar na construção da imagem do Malbec. Assim, não só chegaram capitais, mas também o entusiasmo que logo ganharia corpo no surgimento de importantes vinícolas, sendo os pioneiros Donald Hess, com a Bodega Colomé, Hervé Joyaux Fabre, com a Fabre Montmayou, Gernot Langes, que adquiriu a Bodega Norton, Mijndert Pon, fundador da Bodega Salentein, François Lurton, da Piedra Negra, e o grupo de investidores de Bordeaux que deram origem à Clos de los Siete em parceria com Michel Rolland. Todos eles incentivaram, por diferentes meios, que muitos outros descobrissem e se apaixonassem pela Argentina e seus magníficos vinhos.

Os que o levaram para o mundo

É sabido o papel do Dr. Nicolás Catena como protagonista na história do Malbec. Sua visão sobre este varietal permitiu que os vinhos argentinos chamassem a atenção do mundo, abrindo as portas de importantes mercados. A partir dos primeiros passos de Catena, outros atores igualmente essenciais o seguiram, atuando de forma essencial para a promoção do Malbec argentino no planeta, como o incansável José Alberto Zuccardi, que percorreu o globo e bateu em todas as portas necessárias para dar visibilidade aos seus vinhos, ponta de lança para muitos outros donos de vinícolas. A enóloga Susana Balbo foi outra peça chave para dar visibilidade ao Malbec, bem como Michael Halstrick, com seus vinhos da Bodega Norton.

Geração dourada

Os heróis encarregados de dar identidade ao Malbec argentino durante a década de 1990 e princípio dos anos 2000 foram um grupo de enólogos argentinos de longa trajetória junto aos novos talentos que começavam a comandar várias das novas vinícolas. Assim se cimentou uma equipe que deu vida aos primeiros grandes expoentes do Malbec que o mundo celebrou. Entre eles, é preciso destacar a atuação de Jorge Riccitelli, Walter Bressia, José Galante, Mariano Di Paola, Marcos Etchart, Marcelo Pelleriti, Daniel Pi, Roberto de la Mota e, logicamente, muitos outros que hoje passam o bastão para as novas gerações decididas a criar os vinhos do futuro a partir da exploração dos diferentes terroirs. Entre estes últimos, se sobressaem Alejandro Vigil, Sebastián Zuccardi, David Bonomi, Matías Michelini, Alejandro Sejanovich, Matías Riccitelli e uma infinita lista que promete continuar acrescentando novas páginas à história de um dos vinhos que mais se destacam no planeta.

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