Tato Giovannoni: “O que eu mais gosto dos projetos é torná-los realidade” 

Tato Giovannoni

Viajante inquieto, a bordo de um barco que às vezes é ele próprio e tem como assinatura o seu nome e uma âncora vermelha, Tato Giovannoni enumera os projetos que tem em mente para este ano de 2024. Nove meses sem pisar o solo argentino – nem o mar de sua Cariló natal, nem o seu restaurante “Florería Atlántico”, em Buenos Aires. É bastante tempo.

A poucos dias do décimo aniversário da Florería Atlántico – que fica na calle Arroyo 872, no subsolo, abaixo de uma floricultura portenha e eleito por diversas vezes um dos melhores bares do mundo segundo o olimpo internacional dos bares,a lista The World’s 50 Best Bars -, Tato Giovannoni descreve o que está por vir: um novo “Brasero Atlántico” em Bahrein, a partir de julho e dentro de um ano – incluindo a obra por diante-, além de uma Florería e um Brasero em Washington DC. Em sua mira, ainda a confirmar, outro seleto destino exclusivo para os seus negócios: Milão ou outra localidade dos Estados Unidos. 

Tato Giovannoni: um vulcão ativo

Tato Giovannoni

Tem também as bebidas com a sua marca e a sua destilaria em Mendoza, que deixam feliz a Tato Giovannoni porque “tenho um lugar para brincar”. Ele se refere a Chola, o fernet, que será lançado durante 2024. Os vermute, os gim Apóstoles (Rosa Mosqueta, Fuerza Gaúcha e Apóstoles normal); a genebra El Profeta, a vodca Pan e os refrigerantes.


Além disso, um vinho que ainda não tem nome, nem rótulo, mas que provém do vinhedo mais próximo ao mar do mundo, em Bahía Bustamante (província de Chubut, Argentina).  “É um projeto de amigos. Vinhos do Mar nasceu como um experimento, um grupo de loucos que disseram “vamos ver se a uva cresce aqui”. E a uva cresce, e dá vinho.

Não muita quantidade, mas dá. No ano passado foram feitas algumas reformas e plantamos sarmentos de três anos. O vinho é excelente, raro, diferente, e estamos melhorando a nossa maneira de vinificar. Já temos safras anteriores que não lançamos no mercado porque são para o nosso próprio consumo, mas acho que o que for produzido em 2024 já se poderá comercializar porque terá mais volume. É o vinhedo mais próximo do mar do mundo, e é maravilhoso, pelo meu amor pelo mar, em um povoado no meio do nada como Bahía Bustamante, longe, difícil de chegar, e rodeado de uma natureza incrível”, conta.

Eu nunca me imaginei fazendo vinho, porque não sei fazer vinho. Fui em Bahía Bustamante, fiz um buraquinho na terra e achei o solo parecido com o de Mendoza pela aridez. Então mandei uma mensagem para o Matías Michelini, e perguntei se ele achava que poderíamos plantar uvas por lá. Ele me disse que sim e em seis meses já estávamos plantando. Quando tem maré alta, extraordinária, as duas primeiras filas de videiras ficam debaixo da água. E é incrível, como em dois lotes tão pequenos se distinguem sabores tão diferentes: do mar e das algas que estiveram lá a vida toda. Mas eu não faço vinho, não me imagino fazendo vinho.

Porém a união do vinho, da terra, da Patagônia e do mar… é apaixonante. O que mais me fascina dos projetos é torná-los realidade. Ter tomado a decisão de que os primeiros três mil poços para as plantas a gente tenha feito em família, à mão, e não com um trator, já me dá muita história para contar. 

Semeamos Pinot Noir – que foi a primeira uva que plantamos -, depois Semillón e Albariño, plantadas há dois anos. Semillón porque eu sou fanático, Pinot Noir porque o mar colabora muito com essa cepa, e a Albariño porque é escassa. 

Que diferenças você nota por ter unidades de negócios em lugares tão diferentes, com hábitos tão distintos?

Cada negócio tem os seus desafios, em todos os lugares tem coisas positivas e negativas. Sendo da América do Sul, da Argentina, você pode pensar que qualquer coisa lá fora vai ser mais fácil de fazer, mas depois percebe que há coisas que não o são, por mais que haja menos burocracia. É preciso conhecer a cultura e a forma de viver das pessoas. Eu estive em Barcelona um monte de vezes, mas nunca tinha ficado tanto tempo como em 2023, e aí você vai observando a forma como as pessoas do lugar comem, bebem, saem.

É uma cidade enorme, mas o catalão ou quem vive lá não é de sair muito. É uma área turística, diferente de quando abrimos a Floreria em Buenos Aires, porque não tinha tanto turismo. Em Bahrein tem outro poder aquisitivo, dentro dos países árabes isso é muito aberto. Pode-se beber, é um principado pequeno, mas com uma boa economia e com vontade de se abrir um pouco mais ao mundo quanto à gastronomia. Lá estão desembarcando diversos restaurantes novos, então é uma incógnita e eu tenho vontade de conhecer essa cultura e sua forma de viver.

Eu adoro Washington DC, é um lugar que está vivendo um momento de crescimento e expansão muito importante a nível gastronômico. Tem estudantes de universidades, políticos, muita arte, vernissages, lançamentos. Dentro da expansão da Floreria e do Brasero, nós queremos que as novas unidades não sejam um copy/paste de Buenos Aires, porque isso me deixaria entediado. Quero ter esse desafio de entender um lugar que inspira a migração, porque é isso o que o Floreria conta: o que aconteceu na Argentina, na América e o movimento da Humanidade desde o princípio dos tempos. Nos mudamos de um lado para o outro e com isso levamos sementes, costumes e nos adaptamos a distintos lugares.

Então, a Floreria em DC vai contar um pouco mais sobre a imigração que chegou na costa leste dos Estados Unidos a partir da Virgínia. Mas vamos fazer sempre um setor, um cantinho em todas as Florerias, com os clássicos de Buenos Aires, coquetelaria e alguns pratos. O Brasero Atlântico é a marca que vai levar mais o padrão argentino e da imigração que chegou na Argentina e se instalou no interior do país, então tem um pouco mais de carne e de conservas, além das carnes de caça. 

O sonho de sempre

Tato Giovannoni

O prêmio Roku é a sua Bola de Ouro?

(Risos) Não sei. Eu não esperava. Há alguns anos eu senti que gostaria de ganhar esse prêmio de ícone da indústria. Quando me deram o Bartender Bartender eu também não esperava, porque me considero um pouco velho para a indústria. Se bem continuo trabalhando atrás do balcão, tem um monte de bartenders jovens que também mereciam esse prêmio. Mas é isso, de alguma forma é uma espécie de Bola de Ouro.

É um reconhecimento, este sonho de representar o meu país e de poder contar o que ocorre na Argentina, como somos, quem somos, o que fazemos e mostrar isso para o mundo. Porque esse prêmio tem relação com tudo isso, quando eu saio não sou só o Tato Giovannoni, o egocêntrico que fala de si, mas sim aquele que mostra o seu país, fala de seu país, de sua cultura. Esse foi um sonho que eu sempre tive.

Com respeito à sua profissão, em que momento você está?

Encontrei a forma de continuar conectado com o balcão. Antes eu pensava que a única forma seria atendendo. Mas tem muitas nuances, entendi que tudo o que estudei na minha vida, as minhas curiosidades, entender sobre antropologia, a humanidade e seus movimentos, a botânica, tudo convive ou eu tento fazer conviver com o que faço, que no fim das contas é um bar, um restaurante.

Acho que se a minha profissão fosse só estar atrás de um balcão, eu já estaria trabalhando em outra coisa. A nível de abertura em relação ao mundo, acho que a Floreria em Buenos Aires nos deu uma exposição, tanto para Buenos Aires como para mim como pessoa. Isso hoje abre várias portas. Não quer dizer que seja mais fácil, mas quando você toca a campainha sabem quem você é, de onde vem, que você tem um background e uma história. 

Essa mania dos argentinos de sair para conquistar o mundo… com o seu engenho, com a sua pujança.

Somos uma raça única, na nossa terra se deu uma mistura que não rolou em nenhuma outra parte do mundo. Nós estamos misturados de uma forma que não se vê em outros lados e temos algo especial no nosso DNA. Estamos acostumados a viver da ilusão, sempre, seja na hora de votar, seja na hora de torcer por um time de futebol, de levantar todos os dias de manhã por mais que não dê, para seguir sendo e continuar fazendo. O argentino que saiu do país para o mundo, seja qual destino for, é puro talento e esforço. Não é fácil viver na Argentina e nunca foi. 

O amor do país

Tato Giovannoni

Como você faz para representar o seu país, seus costumes, através das bebidas, dos menus e dos lugares?

Não sei. Sou eu com esse amor que tenho pela minha pátria desde pequeno, eu sempre a quis representar, fazendo um esporte ou outra coisa. Às vezes ainda vou dormir e sonho com uma medalha olímpica. Quando eu estudava cinema, sonhava que algum dia ia ganhar um Oscar e que em meu discurso ia falar em espanhol porque estaria falando com a Argentina. Sinto que consigo comunicar a argentinidade ou as pessoas enxergam a Argentina no que eu faço, porque gosto de estudar, entender e aprender como somos. Mas se isso não vem acompanhado de uma paixão real, de um storytelling…


Quando eu me proponho a desenvolver alguma coisa, quero que represente um pedaço da minha terra ou da minha cultura. Os menus da Floreria são cada vez mais argentinos. Eu decidi contratar um historiador – o Felipe Pigna – para fazer cada carta de drinques, e isso não é uma coincidência. Quero que as pessoas que trabalham comigo também tenham informação e conheçam o nosso país.

Como você vê o setor de produção de bebidas? 

Não para de crescer. É ótimo que haja cada vez mais gente destilando e produzindo. Eu gostaria que houvesse outros produtos argentinos, mais uísque e brandy. O mais fácil é fazer gim ou vodca, mas o mercado do gim pode ficar saturado em algum momento na Argentina. Porém é preciso entender que muita gente começa a investir nisso porque vê que é um negócio. Tem muitas marcas que estão super bem feitas e outras que não estão tão boas. Mas nós crescemos falando mal de nossos produtos, que o que era feito na Argentina não era bom, e atualmente temos uma infinidade de produtos de primeira qualidade. O argentino hoje elege beber um produto argentino.

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