Sim, ânforas. As mesmas que contaram para nós que os gregos usavam e que, cada vez mais, a arqueologia, em busca das origens do vinho, descobre nas cavernas e assentamentos neolíticos. Esses recipientes provam que beber o suco fermentado da uva, longe de ser um passatempo atual, é parte robusta de uma dieta tão antiga como deliciosa.
Como estão os vinhos de ânfora na Argentina
Mas se as ânforas são um postal do passado, hoje ganham novo protagonismo com novas correntes de pensamento em matéria de vinhos. Uma delas é a sempre polêmica busca da pureza, a honestidade nas práticas de elaboração e a lógica da não intervenção em termos de produção de vinhos. Entre estas ideias e a volta ao passado para redescobrir certo sabor prístino e original, não é preciso mais que poucos passos.
E, assim, as ânforas voltaram a ganhar holofotes.
Longe de se tratar de um quaquerismo no assunto, ao usá-las, enólogos e especialistas descobrem algumas particularidades esquecidas depois de muitos tecnicismos e vernizes de ciência que merecem atenção: uma, a argila respira e faz o vinho respirar assim como em uma barrica, ainda que em outro ritmo e sem dar sabor; outra, o tamanho é chave, já que ao ter que ser relativamente pequenas por sua fragilidade, acabam sendo estáveis em termos de temperatura de elaboração. Tudo isso se traduz em vinhos de outro paradigma gustativo.
Assim, o passado volta a oferecer uma solução que encanta os que querem elaborar vinhos que reflitam este novo ideal.
Geórgia is the new Bordéus
Há vinte anos, o norte da vitivinicultura mundial eram Médoc e Saint Emilion, com sua enologia precisa e equilibrada entre a tradição e a modernidade. Hoje, no entanto, muitos enólogos procuram reproduzir as práticas mais rudimentares das regiões vitícolas do Cáucaso, onde os vinhos são elaborados em Quevri (ânforas), como na antiguidade.
Desse modo, quem escolhe as ânforas para fazer vinho procura novos horizontes de inspiração.
Por exemplo, Eugenia Luka, Marketing Manager da Finca Sophenia, acaba de apresentar Es’Vino, um projeto pessoal de vinhos elaborados em ânforas, junto com o winemaker Matías Michelini. “Queríamos mostrar a cara mais pura de Gualtallary e o Matías me convenceu a apostar nas ânforas de argila. Em ambos os casos conseguimos uma expressão diferente da que se pode encontrar em qualquer vinho de Gualtallary. Tanto o Semillón como o Malbec oferecem um perfil superpuro, com texturas muito interessantes, nas quais a acidez típica do lugar combina com traços oxidantes que dão um diferencial muito atrativo”.
Outro produtor com experiência nestes recipientes de argila é Matías Riccitelli, que acaba de apresentar a Kung Fu, uma linha de vinhos sem sulfitos que conta com blend de brancas elaborado em ânforas. “Demorou um tempo para aprendermos a usar este material, que dá uma oxigenação importante para o vinho. Por isso mesmo, prefiro ele para os brancos e tintos de cor frágil, já que são nos que podemos apreciar o resultado. A verdade é que o carácter que ele dá para os vinhos me fascina”.
Mas não é uma prática exclusiva dos pequenos produtores. Sergio Casé, winemaker da Trapiche, empenhado em elaborar vinhos de edições limitadas e de estilos inéditos para esta histórica bodega mendocina, também mostra entusiasmo. “Em 2018 encaramos a elaboração de um vinho laranja de Semillón em ânforas”, conta. “Depois de uma maceração de 12 meses com as peles, acabou sendo um vinho super original, tenso e saboroso, que nos motivou a continuar experimentando”. Essa primeira tentativa pode ser desfrutada no novo bar de vinhos do jardim da bodega.
No momento, entre brancos, laranjas e tintos, os vinhos argentinos de ânfora já chamam atenção nos diferentes mercados, com edições limitadas, que se esgotam em pouco tempo. Entre estes se destacam Zuccardi The Amphora Project Malbec, um tinto excepcional nascido por acaso; Altar Uco Edad Media 2016, que surge de uma criação combinada de barricas e ânforas; On the Road Malbec, da bodega experimental L’ Orange; Otra Piel Chardonnay, da Michelini i Muffato; Amansado Pedro Ximenez, da Ánfora, que também é criado sob véu de levedura e oferece um perfil de xerez autêntico;
Outros grandes expoentes dos vinhos de ânfora na Argentina são Chakana Estate Torrontés Maceración Prolongada, de estilo laranja, e La Marchigiana Criolla, elaborado pela Catena Zapata em recipientes inspirados nos Quevri de Geórgia, com uma longa maceração de bagaços.
Com o olhar no futuro, mas honrando as origens, as gerações mais jovens da vitivinicultura argentina novamente soltam sua criatividade para nos surpreender com vinhos originais.