Churrasco e Malbec. As carnes assadas na churrasqueira estão intimamente ligadas à cultura gastronômica argentina com a sua uva distintiva, a ponto que esta variedade tinta costuma encontrar como primeira combinação sugerida qualquer corte de carne bovina feito nas brasas. No entanto, a versatilidade do Malbec permite que muitos de seus estilos se levem muito bem com uma grande variedade de pratos da cozinha vegetariana, ou inclusive vegana. É possível falar sobre o Malbec veggie argentino? Vamos ver.
Quais são as harmonizações recomendadas quando se tem a intenção de abrir uma garrafa de Malbec para acompanhar uma comida veggie? Certas verduras ou legumes não são recomendados para acompanhar esta variedade tinta? Que tipo de cocção colabora para que os pratos vegetarianos potenciem as qualidades do vinho? Consultamos especialistas argentinos em enologia e gastronomia para que nos orientem a respeito do que decidimos chamar “malbec veggie argentino”.
Malbec veggie argentino? Sim!
“No geral, os que melhor harmonizam com vegetais são os Malbec jovens sem muita estrutura, já que sua combinação com verduras ressalta a frescura e a acidez do vinho – diz Jorge Cabeza, Senior Winemaker das Bodegas Salentein, de Mendoza. Além disso, normalmente os pratos veganos utilizam muitas estruturas granulares, que destacam a textura dos taninos no vinho tinto e dão uma agradável sensação de suculência”.
“Os Malbec jovens seriam uma boa opção para acompanhar a comida plant-based e vegetariana”, coincide Dhayan Acuña, que está por trás da carta de vinhos do Mudrá, restaurante 100% plant-based localizado no portenho bairro de Palermo, em Buenos Aires, e cuja proposta gastronômica foi criada pelo chef norte-americano Matthew Kenney, que é um especialista reconhecido a nível mundial nessa culinária.
“Mas acho que também depende do prato escolhido, já que por mais que seja plant-based, pode ser uma receita que contém um molho vermelho com cogumelos portobellos que banque um Malbec um pouco mais encorpado”, acrescenta Acuña, citando exemplos do menu de seu restaurante que harmonizam com um Malbec veggie argentino. “Nossa Moussaka (à base de fatias de berinjelas com camadas de bolonhesa de cogumelos e frutas desidratadas, molho bechamel com leite de aveia e batatas), ou o Portobello Adobo (portobellos em vinagrete, purê de milho, mix de quinoa, cebolinha assada e lâminas de abobrinha) vão muito bem com um desses Malbec.”
A chef Narda Lepes – responsável pela carta do restaurante “Narda Comedor” (que fica no charmoso bairro de Belgrano, em Buenos Aires), eleita Latin America´s Best Female Chef 2020 pela organização que concede os Latin America´s 50 Best Restaurants, concorda que os cogumelos “vão muito bem com um Malbec, e tudo o que tenha uma base densa de umami também. O mesmo acontece com os repolhos, as cebolas ou as couve-de-bruxelas, especialmente quando tostados ao invés de fervidos. Assim o açúcar se sobressai, o que combina perfeitamente com o vinho tinto”.
Malbec mais encorpado e contra-indicações
Don Julio, a clássica parrilla do bairro de Palermo, em Buenos Aires, é sem dúvida um dos lugares essenciais para todos aqueles que querem experimentar a cultura do churrasco argentino; o famoso restaurante, inclusive, atualmente figura no primeiro lugar do ranking dos Latin America 50 Best Restaurants. E como todo restaurante de categoria internacional, oferece alternativas para comensais vegetarianos ou veganos: “Temos por exemplo uma abóbora princesa feita na churrasqueira, cozida inteira, que vai muito bem com o Malbec”, conta Pablo Rivero, proprietário do Don Julio e também sommelier profissional.
Sempre que se trate “de um Malbec ligeiro e de boa acidez, pode combinar com todos os vegetais assados na churrasqueira e que tenham textura e açúcar”, explica Rivero. “É o caso dos tubérculos e das cucurbitáceas, como as abóboras, as batatas, as batatinhas e as batatas-doces que, cozidas com azeite de oliva e sal nas brasas, obtém um sabor incrível que casa perfeitamente com os Malbec ligeiros”.
“Nosso chef Jorge Ontiveros (da Bodega Salentein) sempre recomenda combinar vinhos Malbec com tubérculos, vegetais de raiz, batata e cenoura”, coincide Cabeza. “Ele explica que são de textura arenosa e crocante, com amidos que acrescentam sabores adocicados que combinam super bem com estes tintos”.
Mas, o que acontece com os Malbecs mais encorpados e intensos? Eles também podem ser considerados Malbec veggie argentinos? “É preciso tentar não combiná-los com vegetais crus. Nem com os avinagrados ou em conserva, tipo picles”, responde Lucas Olcese, chef do restaurante do Rosell Boher Lodge, em Mendoza, que em 2020 obteve a Medalha de Ouro na categoria global de Melhor Restaurante de Vinícola, título que é concedido pela organização Great Wine Capitals.
“Mas pensando na grande variedade de Malbec que temos na Argentina, existem muitíssimas combinações possíveis”, lembra Olcese. “O Malbec de corpo médio vai muito bem com propostas em que o tomate é o protagonista, como as pizzas, ou um prato típico de Mendoza como o tomaticán, e o mesmo ocorre com as conservas de tomate. E no caso dos Malbecs mais carnudos, com mais corpo e intensos, é melhor buscar pratos com mais intensidade de sabor”, recomenda o chef.
“Por exemplo, um risoto de cogumelos harmoniza super bem com um Malbec mais estruturado”, indica Cabeza, que adverte que, por outro lado, existem alguns vegetais que não se dão bem com o Malbec. E quais são eles? “Os fibrosos, como espargos, alcachofras, alho-poró e cebolinha, que ao se encontrarem com os taninos do vinho tinto provocam uma sensação de dureza ou de secura no paladar e também podem causar um gosto amargo. Pimentas e pimentões são outros acompanhamentos que podem entrar em conflito com o Malbec, apagando alguns de seus sabores e produzindo uma sensação metálica na boca”.
Salvo essas exceções, conclui Dhayan Acuña, “em geral distintas cepas podem ir bem com qualquer comida veggie ou plant-based. Vai depender exclusivamente do prato escolhido para acompanhar, já que hoje em dia há uma variedade enorme de opções plant-based: hambúrgueres, sushi, pizzas e também receitas muito mais sofisticadas. Eu gosto de harmonizar os pratos do restaurante Mudrá com Malbec, mas também com Pinot Noir, Torrontés e até mesmo com vinhos brancos. Penso que o universo da culinária plant-based está crescendo cada dia mais e qualquer prato pode ser combinado com distintas cepas”.