Porque não é a mesma coisa a palavra odor que aroma. Porque os vocábulos possuem conotações. E, porque cada pessoa tem o direito de se comunicar, informar e aprender com as nuances implícitas em cada termo.
Essas foram algumas das razões que impulsionaram a criação de um glossário com expressões vinculadas ao vinho que – pela primeira vez no mundo – foi pensado para incluir as pessoas surdas.
Glossário do Vinho em LSA
A experiência foi apresentada a dezenas de visitantes estrangeiros durante a última Conferência anual da rede GWC, que convocou à província de Cuyo representantes de 11 cidades de quatro continentes sob o lema “Vinhos para um mundo novo´´.
Lá, a integrante da Associação de Surdos de Mendoza, Mariana Martínez, explicou que junto ao Wine Institute, a vinícola Monteviejo, Topos: cultura acessível e Reencarnações Experimentação Artística foi criado o Glossário do Vinho em LSA (Língua de Sinais Argentina), um aplicativo gratuito com 86 sinais que está disponível com legendas em espanhol, inglês, francês e português. Nesse marco, a iniciativa foi distinguida com o prêmio de Melhor Experiência Inovadora.
Trabalho enriquecedor
A semente do Glossário do Vinho em LSA foi germinada durante a primeira degustação oferecida em Língua de Sinais Argentina realizada em Mendoza, em 2014. A partir de então, ocorreram visitas a vinícolas, aulas de enologia e cursos virtuais e presenciais de degustação em três níveis, sempre com o foco na inclusão.
As ações também compreenderam neste ano a incorporação de pessoas surdas ao curso de Enoturismo com Acessibilidade promovido pelo Wine Institute na província. Para essa capacitação, é utilizado justamente o glossário, e se prevê multiplicar a experiência em outras sedes da organização.
Analía Videla, diretora do Wine Institute, considera que “ampliar a rede de turismo acessível em Mendoza é fundamental, e para isso é necessário contar com pessoal capacitado em cada área”.
A entidade oferece esta especialização há mais de uma década. Tem duração de um ano com modalidade semipresencial: classes teóricas (virtual) e classes práticas de degustação (presencial).
A formação tem o objetivo de fornecer ferramentas para o desenvolvimento do turismo enológico e prestar conhecimentos técnicos sobre a bebida nacional, a geografia e a cultura, incluindo matérias como degustação e serviço, enologia, inglês, enoturismo e hospitalidade.
Intérpretes de LSA para surdas e surdos participam das aulas com as e os professores, para não haver barreiras no aprendizado. “É um período de teste, não só para depois replicar esta especialização, mas também para trasladar a modalidade para outras carreiras”, explica.
“Estou muito satisfeita com os cursos oferecidos pelo Wine Institute, pois são de períodos curtos, algo importante porque o turismo em todo o país precisa quanto antes de guias surdos com conhecimento da cultura do vinho”, diz Mariana Martínez.
Essa necessidade é uma mão de via dupla: por um lado, serve para fomentar a acessibilidade laboral das pessoas surdas. Por outro, é indispensável para proporcionar aos turistas surdos uma experiência que permita aproveitar a visita de forma completa.
“Este trabalho permite às vinícolas desenvolver atividades para as e os visitantes surdos porque brinda um acesso fácil e possível para a informação sobre vinho”, afirma Martínez sobre esta enriquecedora retroalimentação.
Inclusão também laboral
A partir da profissionalização das e dos guias, a exclusão vai ficando para trás. A referente surda celebrou precisamente que a Bodega Monteviejo, em Tunuyán (Valle de Uco), lhe abriu as suas portas ao incorporá-la como guia.
“Na minha primeira experiência à frente de um grupo de visitantes, participaram 55 pessoas surdas da Argentina, do Uruguai e do Chile”, lembra.
No cenário da assembleia de Capitais do Vinho, Marcelo Pelleriti, enólogo da Monteviejo e criador do festival WineRock, deu um golpe suave com o punho fechado no peito, bem na altura do coração. “Estou dizendo a palavra Malbec. Esse é o primeiro sinal que criei para o glossário”, disse com orgulho.
Um grupo de estudantes surdos integrado por 30 pessoas criou os 86 sinais (incluindo termos como Pinot Noir, Merlot, Sauvignon Blanc, Torrontés e outros varietais, até palavras como enólogo, blend, sommelier) como parte de uma ferramenta viva, com planos de continuar a se expandir.
“Foi um trabalho extenso, tivemos que nos aprofundar, aprender sobre cepas e suas características para criar cada sinal”, conta Martínez.
Também foi lançada uma campanha de comunicação que, sob o hashtag #dejateenseñarporelvino (deixe-se ensinar pelo vinho), conta com um canal no Youtube, onde são publicados vídeos breves para explicar cada expressão do Glossário do Vinho em LSA.
As e os responsáveis pelo Glossário do Vinho em LSA esperam que mais vinícolas se inspirem e unam seus esforços para ampliar a acessibilidade. Buscam assim fazer com que a inclusão deixe de ser um slogan e se transforme na chave de uma verdadeira inclusão participativa.