Os contundentes números que circulam pelo mundo são a prova irrefutável de que se consomem cada vez menos bebidas alcoólicas em geral, o que afeta também a indústria do vinho em particular. Apesar desta tendência ter sido notada desde os Millennials e da Geração Y, a Geração Z, ou Centennials, demonstra ter absorvido ainda mais a tendência.
As interpretações podem variar, porém a maioria dos analistas e especialistas da indústria coincidem: os nascidos entre 1996 e 2010 pertencem a esta geração e compartilham certas atitudes e valores. De acordo com uma pesquisa realizada pela IWSR, em alguns mercados chaves a Gen Z demonstra que uma parcela significativa de consumidores evita absolutamente o consumo de álcool.
Esse mesmo estudo revela que o Japão demonstra o maior nível de abstenção entre a Geração Z, onde 63% afirma não haver bebido álcool nos últimos seis meses, seguido pelos norte-americanos com 54%, e os canadenses com 44%.
Mas a abstinência no consumo de álcool não é o único desafio que a indústria do vinho enfrenta atualmente para “convencer” o consumidor da Geração Z.
“O vinho tem a maior concorrência jamais vista nos meus 50 anos escrevendo sobre a indústria: compete com cervejas artesanais, licores artesanais, coquetéis, cannabis, problemas de saúde e abstinência. Não é surpreendente que as pessoas estejam bebendo menos álcool em geral e menos vinho, em particular”, expressa Jancis Robinson, Master of Wine (MW).
Para a jornalista e escritora britânica, os problemas de saúde são o principal motor da Gen Z para reduzir o consumo de álcool, mesmo argumento que os levou a realizar muito mais exercício físico que outras gerações, como os baby boomers.
“Não tenho certeza se a indústria do vinho está fazendo muito a esse respeito”, comenta Robinson sobre a atitude das vinícolas frente a esses hábitos dos jovens. De qualquer maneira, ela acredita que contar histórias atraentes pode ser uma forma para que as novas gerações se aproximem do vinho.
Além de concordar sobre a tendência de hábitos saudáveis que está mais presente entre os mais jovens, a sommelier Camila Torta indica que a cada geração continua regendo a atitude de destinar um baixo orçamento para as bebidas alcoólicas. “Não importa a quantidade que se beba, mas sim o quanto rende, isso somado à preferência pelas bebidas mais doces. Em relação aos contextos escolhidos, acho que continuam sendo os famosos ‘esquenta’ antes de sair, reuniões sociais em casas/parques/etc., onde não é tão necessário o uso de cristalaria, dando mais espaço às bebidas que possam ser consumidas diretamente no envase e/ou que possam ser colocadas em garrafas ou copos transportáveis, não frágeis, e em que seja possível adicionar gelo. A bebida ‘fria’ é muito importante para este consumo também”, diz.
Torta também acredita que a comunicação é uma das chaves principais para poder fazer contato com a Geração Z. “Acho que se queremos continuar construindo, a educação alcoólica é fundamental. Comunicar com claridade e ensinar sobre como e quando”, indica.
O que o vinho argentino está fazendo para conquistar a Geração Z

Na perspectiva de Paula González, enóloga da Antigal Winery & Estates, a Geração Z está transformando de maneira interessante e desafiante o consumo de bebidas alcoólicas, especialmente do vinho. “Sempre devemos estar atentos às demandas dos consumidores, conhecer tendências e buscar a forma de nos adaptar como empresa a estes desafios. É importante não perder o foco nem o estilo como marca, mas sim buscar e desenvolver produtos que acompanhem estes requerimentos”, sustenta.
Para poder conquistar este público difícil, González acredita que a chave é ter flexibilidade frente às demandas e buscar alternativas de produtos que se adaptem às novas tendências. “Atualmente o nosso eixo principal se baseia na sustentabilidade, do vinhedo ao packaging, buscando diversas alternativas que sejam de maior interesse para as novas gerações”, acrescenta.
Andrés Vignoni, líder de enologia da Raquis, garante que o grande desafio que a indústria tem pela frente é conseguir se diferenciar diante dos olhos da Geração Z em comparação ao restante das bebidas alcoólicas. “Seja pela sua tradição longeva, suas propriedades, a maneira como pode acompanhar as comidas e todos seus benefícios, o vinho escapa de qualquer ponto negativo que outras bebidas alcoólicas podem ter”, defende.
“Procuramos fazer interpretações que reduzam o teor alcoólico do vinho sem prejudicar suas próprias características. Assim é possível associá-lo com a ideia de que, no contexto de um consumo moderado, não tem nenhum problema, pelo contrário”, argumenta Vignoni.
Por sua vez, Juliana Del Águila Eurnekian, presidenta da Bodega del Fin del Mundo, indica que o menor consumo não é uma atitude que possa ser atribuída como exclusiva dos Centennials. “Sempre existe o terror de que os jovens não estão tomando vinho e essa geração não escapa disso. Além de uma tendência de vida mais saudável e mais consciente em relação ao que se consome, por fatores econômicos a entrada ao mundo do vinho também se dá em uma idade mais adulta”, explicou.
Nesse sentido, reconhece que a indústria “deve ser mais inteligente e começar a atrair esses consumidores com produtos que apelem a um estilo de vida mais saudável”. Temos que oferecer produtos mais leves, sem tanta concentração. Em relação a isso, a nossa vinícola e a Patagônia têm uma vantagem competitiva, porque naturalmente dominam essas características”, completa Del Águila Eurnekian.
Em concordância com Vignoni, para ela a comunicação da história e das qualidades do vinho é crucial para se diferenciar do resto das bebidas alcoólicas. “Temos que pregar sobre a riqueza do vinho, explicar que não é somente uma bebida alcoólica: é cultura, tradição, dispõe de diversas variantes para cada ocasião… é tão infinito que se conseguirmos falar de todos esses atributos de maneira cativante, temos muito mais chances de atrair novos consumidores ou de não perder os que já temos”, garante.
Uma tendência passageira ou a nova realidade do vinho?

Uma das maiores dúvidas que surge é se esta tendência impulsionada pelos mais jovens passou a ser uma reinterpretação da tradição, impondo para o futuro estas condições. Paula González considera que a forma como a Geração Z vive o vinho não é uma moda. “Têm sinais claros de que este fenômeno reflete uma mudança mais profunda e duradoura na atitude frente ao consumo de álcool, especialmente entre as gerações mais jovens. As novas gerações focam no bem-estar físico e mental, buscando alternativas mais saudáveis, com um consumo moderado e equilibrado”, opina a enóloga.
Por sua vez, Andrés Vignoni é mais cauteloso e prefere definir esse cenário como algo extremamente difícil de predizer com exatidão. “As modas são absolutamente oscilantes, e as tendências são tendências em si mesmas. Nem o vinho vai desaparecer, nem podemos esperar voltar aos 90 litros por habitante por ano. Quando isso ocorria, não existia a concorrência que há hoje. Nós que fabricamos vinho temos que estar seguros, confiantes, e temos que levantar a bandeira de que o vinho é o alimento mais saudável de todos, como dizia Pasteur”, declara.