Nos últimos anos, as prateleiras dos supermercados ficaram cheias de produtos com rótulos que especificam que se tratam de produtos aptos para quem se reconhece como vegano. Essa mesma tendência chega hoje ao vinho argentino, e cada vez mais bodegas certificam suas etiquetas em resposta a uma demanda crescente do vinho vegano: nos Estados Unidos, o veganismo cresceu de 1% da população em 2014 para 6% na atualidade, enquanto, na Argentina, a Kantar Insights Division estimou que 9% da população seja vegana (não consome nenhum derivado animal) ou vegetariana (não consome carnes).
“Existe um movimento de pessoas que acreditam apaixonadamente que os animais merecem mais respeito, no sentido de que não deveriam ser usados para experimentos, alimento ou outro fim que não seja o de chegar a sua plenitude. Nós queremos apoiar esta inquietude e por isso aderimos à certificação vegana”, afirma Ernesto Catena, cujas bodegas –Animal Organic Wines e Stella Crinita – oferecem uma ampla variedade de vinhos orgânicos. “Existe a nível mundial uma demanda crescente de vinhos cujos processos produtivos sejam conscientes em relação ao planeta e à exploração animal”, concorda Martín Kaiser, subgerente de Viticultura e Enologia da bodega Doña Paula, na qual todos os vinhos estão certificados.
Do ponto de vista da indústria vitivinícola argentina, o número cada vez maior de consumidores do vinho veganos representa uma oportunidade para sua crescente e diversificada oferta, que envolve tanto bodegas grandes como pequenas. Rogelio Rabino, responsável de Viticultura e Enologia da Kaiken Wines, que conta com a certificação dos seus vinhos, afirma: “Em alguns mercados não é uma demanda, mas sim uma vantagem ter esta certificação porque abre outras possibilidades de venda onde só os vinhos orgânicos têm espaço”.
Mas o que é um vinho vegano? A inquietude não é pequena, já que o vinho é elaborado a partir de uvas, sem nenhuma adição de origem animal. Mas isso não significa que proteínas animais não intervenham em parte da sua elaboração. Então, em que partes do processo de elaboração do vinho (não vegano) derivados animais são usados? “Essencialmente durante o processo de clarificação, no qual costumam ser usados clara de ovo ou leite (e, inclusive, derivados ictiológicos), para eliminar as partículas depois da fermentação alcoólica e antes de engarrafar”, explica Nancy Johnson, embaixadora de marca da bodega Santa Julia, que recentemente certificou mais de 40 etiquetas do seu portfólio.
As proteínas de origem animal são substituídas nos vinhos veganos por argilas como a bentonita ou placas de celulose, que cumprem a mesma missão de filtrar os vinhos. A partir de um olhar inclusive mais conceitual, acrescenta Kaiser, “também não usamos animais para trabalhar a terra, nem em nenhuma outra etapa da produção do vinho”.
Certificação
Como acontece em muitos âmbitos, para demostrar que na elaboração do vinho não existiu intervenção de produtos de origem animal, recorre-se a companhias que atuam no processo de certificação. “Em Santa Julia obtivemos a certificação de VEG Argentina (Liaf Control SRL), a primeira etiqueta vegana certificada do país, que avalia a conformidade da origem das matérias primas, aditivos e coadjuvantes utilizados na elaboração dos produtos para verificar que não provenham de origem animal ou derivados de animais. Este processo de avaliação é realizado mediante uma Inspeção com um staff de profissionais de LIAF e, se não são encontradas Não Conformidades, a entidade outorga a certificação de produto vegano”, conta Johnson.
Existem outras entidades que oferecem esse aval, como a The Vegan Society (Inglaterra), que foi a que certificou os vinhos de Kaiken.
Um ponto em discussão é se existem diferenças, seja em aromas, sabores ou texturas, entre um vinho vegano e outro que não é. Para muitos especialistas consultados, não são perceptíveis. No entanto, outros discordam: “No caso hipotético de que fosse possível fazer dois vinhos iguais e esses clarificadores (de origem animal) fossem utilizados, os vinhos resultantes poderiam ser menos tânicos, um pouco mais simples e mais límpidos”, opina Facundo Bonamaizón, Engenheiro Agrônomo da Bodega Chakana, na qual todos os vinhos são veganos.
“Acho que a diferença principal é a pureza com que se expressa, o que não quer dizer que o resto dos vinhos veganos seja impuro”, diz Rodrigo Serrano Alou, enólogo da Domaine Bousquet, bodega que também tem 100% dos seus vinhos certificados. “Como os derivados de origem animal que são utilizados no vinho são para clarificação, levam com eles um monte de atributos. Quando eles não são usados, o vinho conserva alguns que o não vegano perde”.
“A diferença em sabor é muito sutil, se é que ela existe. Considero que um vinho vegano é um vinho mais cuidado, onde há maior respeito pela natureza”, opina Catena. “Quero acreditar que um agricultor vegano é alguém que cultiva a terra e trabalha na bodega com mais carinho e respeito do que o normal. Como consequência, esta intenção, talvez, fique refletida em um vinho mais harmônico e sutil. Mas se a boa consciência afeta o sabor, é uma questão mais moral que do organoléptica”, conclui.