Vinhos de maceração carbônica na Argentina?
Variedade emblemática da Argentina, o Malbec não para de se reinventar. Para além da diversidade explosiva que alcança por ser cultivada em alturas cada vez mais extremas e em diferentes terroirs, algumas inclusive provenientes de regiões não exploradas pela viticultura até há poucos anos, também se incorporaram métodos de produção pouco trabalhados no país, o que contribui com uma interessante novidade para o cenário vitivinícola argentino.
Falar de “Malbec Nouveau”, em uma paráfrase da conhecida denominação francesa Beaujolais, pode em breve se tornar algo habitual e não soar pretensioso. Acontece que já existem várias vinícolas argentinas que elaboram Malbec (e também outras variedades ou mesmo blends tintos) através do método de fermentação denominado maceração carbônica, que caracteriza os vinhos franceses que são produzidos dentro da denominação de origem localizada ao sul de Borgonha, e que produz tintos de cor intensa, suaves ao paladar com taninos baixos, intensidade frutal e algumas notas pouco convencionais, como “chiclete”, canela, banana ou kirsch.
A maceração carbônica (“carbo”, como é conhecida na França, ou “cab mac ”, na Austrália, onde também é bastante difundida) é um método de fermentação descoberto em 1934 pelo cientista francês Michel Flanzy. Ao contrário do procedimento habitual para os tintos, que envolve a fermentação das uvas sozinhas (sem pedúnculos) e previamente amassadas, a maceração carbônica começa com a colocação dos cachos inteiros de uvas em um recipiente que é preenchido com CO2. Na ausência de oxigênio, ocorre uma fermentação dentro das células do próprio grão, e da qual as leveduras não participam, mas neste caso é um processo enzimático que gera o álcool.
Quando o teor alcoólico chega a 2%, a casca da uva começa a se decompor e a liberar seu suco. Normalmente, é o momento em que as cascas das uvas são separadas e o mosto (sumo) completa a fermentação da forma tradicional (agora sim com o auxílio das leveduras). “O resultado são vinhos que oferecem um perfil super fresco, que conservam mais a fruta e são mais leves. São aqueles apelidados de “tintos refrigerados”, diz Rodrigo Serrano Alou, chefe de enologia e operações da Domaine Bousquet, vinícola de Mendoza que em breve lançará um Malbec de maceração carbônica, e que também planeja aplicar esta técnica para produzir um Syrah.
Inspiração francesa, espírito argentino
“Nossa inspiração é o estilo Beaujolais Nouveau mas adaptando a variedade, já que usamos uvas 100% Malbec”, diz Verónica Ortego, segunda enóloga da Mythic Cellars, uma marca da Dartley Family Wines, vinícola com sede em Luján de Cuyo (Mendoza) que acaba de lançar seu Mythic Divine Creations Malbec Nouveau. “É um vinho que, embora seja fresco e com muita fruta vermelha, tem estrutura proporcionada pelos taninos do Malbec e excelente acidez natural. É um estilo diferente do que se faz em geral ”, garante.
“É verdade que é uma técnica associada aos bem-sucedidos vinhos franceses Beaujolais, embora seja uma prática já muito utilizada nas adegas locais, para agregar componente a certos vinhos que careciam de cor e de aromas”, comenta Nancy Johnson, embaixadora de marca da Bodega Santa Julia. “Hoje, nosso Tintillo é feito 100% com esse método. É um vinho bem argentino, tanto pela estética da embalagem como pela composição, pois combina as duas castas tintas mais plantadas no país: Malbec e Bonarda ”, explica.
Embora a maceração carbônica tende a ser utilizada hoje na Argentina para a vinificação de uvas Malbec – como é o caso, por exemplo, do Vinyes Ocults Maceración Carbónica, ou do Malbec que em breve será lançado pela vinícola Viña Las Perdices, o procedimento inclui outras variedades de tintos. Neste sentido, podemos citar o “Vía Revolucionaria Bonarda Pura” da Passionate Wine, ou ainda o “Cabernet de Sed” produzido pela Amansado Wines.
“A técnica é semelhante à usada no Beaujolais, mas as características da variedade, no nosso caso a Cabernet Sauvignon, são extremamente diferentes. Uma variedade de linhagem tão poderosa como esta está dando vinhos suaves e frescos, complexos e muito aromáticos, o que não é comum”, descreve Eugenia Brennan, da Amansado Wines.
O interessante dos tintos por maceração carbônica que a Argentina produz atualmente, conclui Fernando Losilla, enólogo da Viña Las Perdices, é que “oferece um tipo de vinho diferente do ponto de vista da frescura e dos aromas, porque é muito mais frutado e com uma estrutura tânica menor. Isso pode gerar uma grande atração, principalmente no consumidor mais jovem que quer descobrir um tipo de vinho diferente”, observa o especialista.
Inovação, reinvenção e sobretudo diversidade parecem ser as novidades do Malbec que lhe permitem continuar entre os vinhos preferidos a nível mundial.