Vindima 2025 em Cuyo: o ano em que a natureza mudou suas regras

Vindima 2025 em Cuyo

Na região de Cuyo, a vindima de 2025 será lembrada como uma das mais intensas e complexas dos últimos anos. Dividida em dois atos – um quente e acelerado, outro frio e pausado –, o clima exigiu a leitura fina do vinhedo, a tomada de decisões cirúrgicas e uma sensibilidade técnica fora de série. 

Mendoza: uma safra que deixa um legado

O ano de 2025 teve uma colheita exigente, mas também reveladora. É o que pensa Laura Catena: “As nossas regiões de grande altitude demonstraram ser resilientes às mudanças climáticas”. 

Tudo começou com um inverno seco e frio, ideal para as videiras descansarem. A primavera foi benévola, sem geadas relevantes e com uma brotação equiparada. 

Mas janeiro e fevereiro acenderam os alarmes: ondas de calor persistentes aceleraram o amadurecimento em matéria de açúcar, enquanto a polifenólica ficou relegada. Como descreve Catena, “as temperaturas diurnas mais quentes apressaram o amadurecimento, enquanto as noites frescas preservaram a complexidade aromática e a frescura. As uvas se apresentaram saudáveis e com grande concentração de cor e taninos”.


Esse contraste térmico abriu espaço para uma madurez dispar. “Em Altamira, por exemplo, colhemos parcelas de alta qualidade 15 dias antes do habitual”, conta Cecília Acosta, da Bodega Argento. Em Luján de Cuyo também ocorreu um adiantamento inédito. “Em Alto Agrelo batemos recorde de colheita: fizemos a vindima da nossa parcela mais importante em 17 de fevereiro”, conta.

No final de fevereiro, uma frente fria acompanhada de chuvas generalizadas alterou o panorama. As temperaturas baixaram, o amadurecimento se estancou e os vinhedos, especialmente em regiões baixas ou de solos mais profundos como o leste mendocino, entraram em pausa. A vindima se dividiu em dois grupos: os que colheram antes conseguiram produzir vinhos frescos e tensos; já os que decidiram esperar, obtiveram perfis mais maduros e estruturados, mas com energia e tensão.

“Foram registrados 29 dias com temperaturas máximas superiores a 33°C, frente aos 22°C da temporada anterior e 35°C em média das últimas colheitas”, detalha Andrea Ferreyra, da La Celia, vinícola do Valle de Uco. 

“O grande ensinamento desta safra foi voltar a caminhar pelo vinhedo com humildade. Não existem regras fixas, há sinais”, pondera Silvio Alberto, Chief Winemaker das Bodegas Bianchi. No seu caso, em Los Chacayes eles colheram Malbec antes que Merlot, e Cabernet Sauvignon antes que ambos: “Algo inusitado, mas real”.

A colheita de 2025 será lembrada como uma das mais intensas e complexas dos últimos anos.

Brancos expressivos, tintos com identidade

Os brancos foram a surpresa do ano, já que foram colhidos num ponto justo antes da onda de calor, quando os indicadores eram perfeitos. Zonas como Gualtallary, Los Árboles e San Rafael conseguiram alcançar vinhos vibrantes, com grande expressão varietal e acidez natural. 

“Vejo um grande ano para os Chardonnay de altitude e os Semillón, com uma frescura que vai sustentar muito bem o amadurecimento”, aposta Marcelo Belmonte, do Grupo Peñaflor.

Os tintos, por sua vez, expressam a diversidade do ano. “Março trouxe chuvas e baixou a expectativa da vindima. As variedades tardias precisaram de mais paciência: o ritmo de amadurecimento se reduziu, obrigando a esperar. Essa segunda etapa, mais pausada, entregou tintos com um perfil maduro, de taninos polidos e uma profundidade que reflete o equilíbrio entre clima extremo e manejo técnico”, opina Andrea Ferreyra. 

O Malbec de Altamira e de El Peral exibem fruta vermelha precisa e tensão, enquanto que em Luján de Cuyo – Perdriel, Las Compuertas e Agrelo – se obtiveram vinhos profundos, com taninos sedosos e grande concentração aromática. “O Merlot de Gualtallary e o Cabernet Franc de Vistaflores me deixaram impactado”, agrega Gustavo Rearte, da Achával Ferrer.

Produção e cepas destacadas

A colheita fechou com um aumento de 5% em relação a 2024, alcançando 1,98 milhões de toneladas de uva. Atingiu assim os níveis médios da última década, com boa sanidade e rendimentos equiparáveis em quase todas as regiões.

Entre as brancas, Chardonnay, Sauvignon Blanc e Semillón de altitude foram as grandes protagonistas. Entre as tintas, a Malbec mostrou sua plasticidade habitual, enquanto a Cabernet Franc foi elogiada pelo seu perfil aromático e de taninos polidos. As uvas Petit Verdot, Merlot e Syrah também se destacaram, especialmente em regiões frescas de solos calcários.

O clima exigiu a leitura fina do vinhedo.

San Juan: uma colheita generosa e vibrante

A vindima 2025 em San Juan se classifica entre as mais generosas e equilibradas dos últimos anos. À diferença de ciclos anteriores marcados por geadas e vento, esta temporada se beneficiou de um inverno frio e uma primavera estável que permitiu uma brotação análoga e sem maiores danos. 

Nos vales altos como Calingasta, a colheita chegou com uvas mais abundantes e uma sanidade exemplar. “Foi uma linda safra”, resume Andrés “Vasco” Biscaisaque, da Finca Los Dragones, que celebra ter colhido com boa acidez e madurez fenólica em equilíbrio.

Em zonas mais quentes como o Valle de Tulum, a antecipação do ciclo e as chuvas prematuras exigiram atenção, mas o resultado foi positivo: brancos expressivos e tintos profundos. Em Pedernal, a madurez avançou sem sobressaltos, deixando uvas de altíssima qualidade. “Está à altura das nossas melhores colheitas”, afirma Gustavo Matocq, da Pyros Wines.

Então, que vinhos da safra 2025 provar? Os tintos de altitude, especialmente Syrah, Malbec e Cabernet Franc se destacam por sua concentração e frescura. Entre os brancos, brilham Chardonnay e Sauvignon Blanc por sua acidez nítida e expressão varietal. 

La Rioja: menos uva, mais caráter

A colheita em La Rioja trouxe surpresas. Embora o inverno tenha sido incomumente frio — “fazia anos que não tínhamos invernos tão rigorosos”, comentou o viticultor e enólogo Javier Collovati — e a sanidade dos vinhedos tenha sido excelente, os rendimentos ficaram abaixo da média. “Tivemos até 30% menos uvas em algumas variedades”, acrescentou o enólogo, apontando o calor extremo de janeiro e fevereiro como o principal responsável. Ainda assim, destacou que a qualidade dos vinhos se manteve firme, com uma colheita adiantada, porém bem distribuída.

Entre as variedades que merecem destaque, mencionou o Syrah, suculento e fresco, a Bonarda vibrante e os brancos com boa estrutura de boca e sanidade impecáveis. Uma vindima curta em volume, mas generosa em identidade.

Em Chañarmuyo, região de altitude de La Rioja, a história foi diferente. “As condições climáticas extremas foram menos sentidas em altitudes elevadas”, explicou o agrônomo Matías Prieto. Ali, a colheita foi longa e uniforme, com tintos de ciclo longo — como Cabernet Sauvignon e Petit Verdot — destacando-se por sua estrutura, e brancos como o Chardonnay surpreendendo pelo equilíbrio e expressão.

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